quarta-feira, 18 de julho de 2012

RPG e Psicoterapia - (Carlos Fagundes Rodrigues)


 O texto abaixo é do psicólogo Carlos Fagundes Rodruigues*, aficionado por jogos de tabuleiro - em especial os RPG´s - e mais novo colaborador do Ludens. Logo na estréia, nada menos do que a proposta de pensar possibilidades de utilização do RPG no setting terapêutico! 

 "O primeiro contato que tive com o RPG foi em 1997, quando ainda morava em São Paulo. Parei de jogar em 2000 quando me mudei para o Espirito Santo e fiquei dois anos longe dos jogos, mas depois de retornar não parei mais. Sempre fui fascinado pelo jogo e curioso em como poderia ser aplicado, quando entrei na faculdade realizei uma pesquisa sobre a utilização do RPG no contexto pedagógico, entrevistei professores e alunos para identificar se eles conheciam o jogo e se conheciam o que achavam de sua aplicação. O tema RPG voltou novamente no fim de meu curso quando realizei meu TCC. Usando os preceitos teóricos da psicologia analítica de Jung, com seu estudo do simbólico e mitos, proponho a utilização do RPG como um meio para o individuo alcançar a individuação atraves da vivencia, virtual, do mito do herói"

Então, vamos ao texto!


O RPG (Roleplaying Game) foi e ainda é fruto de comentários e desconfianças. Tivemos alguns percalços no caminho relacionado a acontecimento infortúnios com o nome do jogo. Agora os adeptos são tomados como adoradores ou até mesmo loucos. Porem, cada dia mais há uma disseminação deste jogo pelo âmbito acadêmico. Profissionais ligados à área escolar têm introduzido o jogo de representação como uma ferramenta para enriquecer e tornar o aprendizado mais dinâmico e interativo. Alem de criar noções de cooperação, regras e soluções de conflitos nas crianças e adolescentes. Contudo, deixando de lado o âmbito educacional, tento introduzir uma nova temática para o jogo. Seria possível sua utilização no setting terapêutico?

Primeiramente irei explicar rapidamente como se compõe o jogo. Hoje em dia temos três diferenciações do jogo: de mesa (o clássico), card games, live action e eletrônicos (os famosos MMORPG). O de mesa conta com livros que vão embasar a criação do mundo e personagens, alem de ditarem as regras operacionais do jogo, ele é presencial e conta com a utilização de fichas, mapas e dados. Os card games são cartas que trazem uma temática prévia onde cada jogador conta com um deck composto de cartas de ações ou criaturas onde cada um tem por objetivo derrotar seu oponente. O live action é embasado nas mesmas regras do de mesa, entretanto os jogadores interpretam seus personagens como se estivessem num grande teatro, às fichas são mantidas pelo narrador que tem de ter mais controle sobre o grupo, as regras são mais frouxas e preza-se mais a interpretação e interação com o grupo. Por fim temos os eletrônicos, que tem a mesma dinâmica do de mesa, porem as regras e o papel do narrador é ditado pelo programa e a interação e virtual.

Vamos focar inicialmente no princípio do jogo, a construção do personagem. Nesta etapa já temos material para analise, pois o jogador ira criar um avatar que habitará o cenário proposto. Pois bem, temos aqui uma possibilidade de sublimação, Freud (1890) apontou que o ser humano pagou um alto preço a partir do momento em que se uniram e constituíram a sociedade. As leis e convenções sociais, grosso modo, constituem o Superego e a barreira do recalque que vem para barrar as emanações pulsionais do ID. Esta força bruta que é a pulsão a todo o momento irradia por “buracos” no recalque e podemos perceber seu escape nos sonhos ou atos falhos. Entretanto, esta força pulsional encontra outras formas para se apresentar, ela desloca-se dentro deste sujeito aparecendo de maneiras diversas. Como um artista que usa-se desta pulsão para criar lindas obras, ou até mesmo um sádico que sente prazer na prática do bondage. Com isso podemos tecer uma hipótese onde a criação do personagem possa tornar-se uma via de sublimação da pulsão – sempre lembrando que estas “ações” ocorrem sempre no âmbito inconsciente. O indivíduo passa a compor um mundo virtual, seguro e que não conta com as mesmas leis e repressões sociais a que esta atrelado assim este pode realizar qualquer ação que lhe apraz.

Mas antes de explorar este mundo fantástico e “acolhedor”, o narrador deve escolher qual cenário deverá ser proposto. O cenário é um ponto chave dentro da proposta da utilização no setting, pois será ele o pano de fundo para trabalhar a individuação, que é o nosso objetivo dentro da psicoterapia. Tomando por base Gorrésio (1997) “a individuação é uma jornada do ego em busca do aumento da consciência do Self”. Antes de continuarmos vou recapitular um pouco sobre essa jornada do sujeito. Jung (1945) inicia sua formulação dos conceitos de arquétipos, onde toma-as pelas imagens mais originárias e universais dos seres humanos. Estas estruturas presentes no inconsciente coletivo são apenas arranjos vazios, os que lhe concedem força são as representações individuais de cada um. Porem com a vivencia em sociedade, alguns arquétipos se tornaram comuns a todos, a persona, a sombra, o anima/animus e o self; e são esses cinco que formam o “caminho” que o sujeito tem de percorrer para alcançar a individuação. São como fases, em sua jornada ele entra em contato com os aspectos destes arquétipos para entendê-los e incorpora-los ao ego. Porem esta é uma jornada longa e dolorosa, pois o sujeito toma consciência de aspectos pessoais que estão arraigados no inconsciente.

Mas então como o RPG poderia fazer parte desta equação? Como Gorrezio aponta, o sujeito deverá embarcar numa jornada e o que é o jogo de interpretação do que uma grande jornada por cenários diversos. Ele se insere como uma ferramenta capaz de auxiliar o processo de individuação, pois o sujeito deverá galgar caminhos tortuosos e se defrontar com os aspectos inconscientes de seus arquétipos e derrota-los, assim poderá assumi-los para si. Entretanto as temáticas de utilização do jogo como ferramenta ainda é novo, em todos os campos. Devemos enfrentar alguns desafios na construção de algo mais conciso. É necessário trabalhar mais a noção do que é o jogo e suas implicações mais do que puramente lúdica. Ainda tem-se uma visão de que jogo é algo para crianças. 

* Carlos Alberto de Castro Fagundes Rodrigues é formado em psicologia (2010/2) pela Faculdade Brasileira - UNIVIX, Pós graduando em politicas públicas pela Faculdade Pitágoras.  


Bibliografia.

JUNG, C. G. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo - vol. IX/1. Petrópolis: Vozes, 1986.
(originalmente publicado em 1930 a 1945).

SERBENA, Carlos Augusto. Mito do Herói nos jogos de interpretação (RPG), 2006, 2. v. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Faculdade Federal de Santa Catarina, Paraná.